quinta-feira, 13 de março de 2008

Mulher Gato.

Amava os gatos profundamente.
Amava-os e respeitava-os.
Identificava-se com eles.


Amava sua solitude.O seu só ser.
Não conseguia entender aquelas pessoas que viviam a reclamar de solidão.


Tivera desde sempre, muito claro , o sentimento de ser só.
Nascera só.
Não dividira o útero materno com nenhum irmão gêmeo. E também, se o tivesse feito, na hora do parto, só haveria espaço para um de cada vez.

Tinha também a certeza de que se por ventura morresse num desastre daqueles de grandes proporções – aqueles que vende muita revista, e que é noticia por muito tempo – cada alma teria seu próprio momento.


Seguia então o seu caminho pela vida.
Os gatos, como ela, também, seguiam seus próprios caminhos.
Quando queriam, faziam com que eles se cruzassem.


Quando ela chegava a casa, iam à porta recebê-la.
Arqueavam as costas, esfregavam-se em suas pernas, marcando-a com o seu cheiro.
Ou então arranhavam seus sapatos, olhando fixamente nos seus olhos.
Demonstravam imenso prazer em ter-la de volta ao lar.
Satisfeitos com ritual de saudação e sedução, ocupavam-se novamente de si mesmos.


Eles a tinham, quando eles queriam.
Quantas vezes ela encontrava-se frustrada, carente, tentava então manter um deles em seus braços.
Queria acariciá-lo, aliviando a sua necessidade de toque.
Eles sujeitavam-se por segundos.
Concediam-lhe míseras esmolas de sua boa vontade. Mas assim que o abraço afrouxasse um pouco, um salto ágil o colocaria em um local seguro. Onde então fariam uma higiene vigorosa procurando livrar-se rapidamente de toda sensação daquele contato indesejado.


E ela ficaria com as mãos vazias.


“Gatos só fazem o que querem, quando querem.”


Não precisam... ter que sorrir sem vontade,
ter que ir querendo ficar,
ter que falar querendo calar...


Que inveja!

Agosto 2000

terça-feira, 4 de março de 2008

Chronos.

Março, abril, maio... mais um pouco já é dezembro outra vez e acabou mais um ano. Meses. Dias da semana. Horas. Segundos. Calendários. Relógios...
Uma parafernália sem fim para medir o tempo que segundo algumas teorias não existe. Não passa de uma ilusão, de um produto de nossa mente.


Tic tac tic tac fazia o “produto da minha mente” como uma bomba relógio prestes a explodir.
“Eu sou capaz, eu posso, eu consigo!” repetia para mim mesma o mantra enquanto desfilava as probabilidades. Como sempre deixara tudo para última hora. Sem maiores comentários. Quero dizer, sem comentário algum. Dizer o que? Fiquei fazendo o que não precisava, coisas que poderiam ter sido feitas outra hora, perdi tempo... E olhe que desta vez havia feito uma lista do que deveria fazer na rua, só que...


Tenho um compromisso em casa às 16h40min. São 15h30min. Já não estou mais a fim de sair. Resolvo: “Eu vou! E estarei de volta a tempo de receber a pessoa que irá chegar!”

Checo a lisataaaaaaaaaaa:

Pagar condomínio no HSBC

Devolver livros na biblioteca

Pegar Xerox

Fazer depósito para encomenda de CDs no Banco Bradesco

Fazer depósito para encomenda de livro no banco Itaú (percebe aonde vai o tempo? Não podia ser tudo num banco só?)

Comprar doces para mandar de presente para amiga que mora na França,
e levar os doces para a pessoa portadora.


Buscar um contrato com o ex (que já deveria ter pegado há pelo menos dez dias) e que deverá ser levado ao banco (nos próximos cem anos?!?!?!)

Na portaria recebo algumas correspondências.Olhando rapidamente vejo contas que devem ser pagas no HSBC. Essas ficam para manhã junto com o condomínio. Mudança de esquema. Pois óbvio que alguma coisa terá que ser cortada do plano original.

Devolvo os livros. Tic Tac. Com atraso de dois dias. Não cobraram multa. Ainda bem. Faltou um. Deixaram mais uma semana. Quero devolver logo de uma vez.

Vou a pé que chego mais depressa. Depósitos bancários? Nem pensar! Qualquer coisa que se refira a banco nessas alturas do campeonato fora de cogitação, pois o tic tac deles já era.

Está muito quente. Lembrei que não havia almoçado. Já que preciso pegar o tal contrato com o ex aproveito para filar um lanche. Liguei do celular. “Faz o favor de fazer dois (a fome era imensa!) sanduíches? Não, não é para entrega eu vou buscar!”

Já estava quase chegando ao atacado dos doces quando lembrei um "pequeno" detalhe:
Estava a pé! Iria comprar pelo menos duas ou três embalagens grandes de paçocas, outro tanto de balas de gomas, doce de abóbora de coração tudo o mais de besteiras que pudesse imaginar que a amiga pudesse querer. Mas carregar como? E tinha mais o tic tac tic tac
Entrei na lojinha feito um furacão, antes de escolher perguntei se havia a possibilidade de entregarem, afinal não era longe...ótimo! E lá vão as paçocas meio caminho rumo à França!!!
O que falta?


O documento, e os sanduíches.
Claro que ali empacou. O ex tinha que explicar o inexplicável e ela só ouvia o tic tac.
Antes de sair ainda perguntou que horas eram: 16h18min.


Na estica. Mas ainda dava tempo de chegar a tempo.
Mal andou cerca de dez passos celular tocou:


tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac.

“Cheguei!”
“Como?”
“Deu tudo certo eu me adiantei e pude chegar antes.”
“Então tá...”
tic tac tic tac tic tac tic tac


Quando a pessoa saiu as 18:30 horas desci junto para ir buscar a Xerox.

Na esquina um barzinho por onde já havia passado várias vezes. Passei direto. Parei. Uma fração de segundos. Será?

E daí que é terça-feira? E daí que eu não bebo? E daí que estou sozinha?

“Quero uma carne de onça”

Ficar olhando para os lados é de morrer!

Peguei o livro e comecei a ler.

“Para beber?”
“Uma Malzebier.”


Encostei na cadeira, olhei com atenção o copo com a cerveja escura, a espuma espessa quase caindo para fora. Suspirei.

Prost!

Tic tac tic tac.

04/05/2008

segunda-feira, 3 de março de 2008

Brinquedos de Criança

Quem tem “certa idade” já não lembra ou finge que se esqueceu de coisas de seu tempo de criança.
Brincadeiras de crianças que vivem em apartamentos em cidades grandes, nem pensar.
As crianças de hoje em dia quando não estão nas aulas disso ou daquilo, estão em frente ao computador. Já não vivem soltas pelas ruas brincando como fazíamos.


Mas durante o verão as coisas mudam. Literalmente. As famílias se mudam. Saem das cidades rumo ao litoral e lá mesmo que fiquem em apartamentos as crianças espalham-se por todos os lugares, inclusive as ruas.
Mas tem coisas que não consigo compreender...


Estava eu sentada na beira da praia lendo um livro, quando reparei numa garotinha de cerca uns quatro anos que parecia Cachinhos de Ouro. Sabem quem é? Aquela chata e mal educada da história dos três Ursos que comeu o mingau sentou e quebrou a cadeira, desarrumou a cama, e ainda ficamos ouvindo o ursinho choramingar a história inteira: “quem comeu meu mingau? Quem quebrou minha cadeirinha?”

A Cachinhos de Ouro da praia brincava calmamente com seu baldinho fazendo castelos de areia, quando re repente, não mais que de repente, sei lá por que estranha razão se um salto colocou-se em pé, abriu os braços e começou a girar...
Girava, girava...
“Currupiu, piu, piu...
A galinha me cuspiu...
(Galinha cospe? Como pode isso? Então ela também baba? Irgh! Que nojo!)
E o papai nem viu!
(Tá e daí? Se o papai visse que providências ele poderia tomar contra a galinha cuspideira? Um lenço? Uma escarradeira? Iria abrir um guarda-chuvas?)

Girava como um pião descontrolado enquanto recitava o mantra sem nexo.
Eu já estava nauseada quando Cachinhos de Ouro despencou sobre seu castelo de areia tal qual a lavra do Vesúvio quando soterrou Pompéia. Não sobrou nada!
Meu cérebro ainda chacoalhava pela visão rodopiante enquanto algumas lembranças iam e vinham em espiral como num tornado em slow motion: “e eu já brinquei disso!”


O que leva, uma criança aparentemente normal a girar descontroladamente sem nenhum motivo? Enjoada, não cheguei à conclusão alguma.

Estava absorta em meus pensamentos a caminho de casa, quando me deparei com um menino que se balançava na rede na sacada de sua casa.
Balançava, modo de dizer... ele era o maluco da rede.
Quando a rede ia para trás a impressão que eu tinha é que ela giraria 360°. graus. Então eles voltavam para frente. Ele com as pernas bem esticadas dava um impulso muito forte na parede fazendo com que a rede ao voltar fosse mais alto.
Para a frete de novo. Outro impulso. Para trás. Mais alto. Outra vez...



Observando essas brincadeiras me pergunto até que ponto podemos confiar em nós mesmos? Até que ponto podemos confiar nos adultos em que nos tornamos?
Hoje em dia não se fala tanto na descoberta da criança interior?


E se Hillary Clinton torna-se presidente da nação mais poderosa do planeta e num rompante sua criança interior resolve rodar no meio da sua sala presidencial, aproveitando que ela é oval. Dá para imaginar?

E de outro lado do mundo a criança interior de Bin Laden balançando furiosamente no meio do deserto...

Onde é que o mundo pode parar com essas perigosíssimas brincadeiras de crianças?
Nem é bom pensar...


05/01/07

domingo, 2 de março de 2008

Mulheres de Talibã

Por mais que me esforce, por mais que procure sempre dar uma espanada no bolor do pré-conceito, e idéias antiquadas, eu confesso:
- Socorro! Não consigo, compreender o amor entre os jovens.
Ou
- Socorro! Não consigo compreender o amor nos dias de hoje.


Tá bom, vá lá...me rendo e vou dizer aquela frase lugar beeemm comum:
- No meu tempo...
No meu tempo as coisas tinham um principio, um meio e algumas vezes um fim.


Um exemplo?
Se fosse numa daquelas festinhas de garagem com luz negra, cuba libre, som da Jovem Guarda, o grupo das meninas estaria num canto, o dos meninos no outro. Os olhares se encontrariam, e depois de muitos risos e cochichos da parte delas, ele muito sem graça, viria tirá-la para dançar, ainda correndo o risco de “levar uma tábua”. E só.

No sábado seguinte encontrar-se-iam novamente, e o jogo de sedução persistiria. Ele poderia, quando muito acompanhá-la até em casa. Dançariam de rosto colado (hei! vocês sabem do que estou falando?)... as amigas sempre aos par das novidades:
-ele pegou na minha mão...
E o grande evento, era “pedir em namoro”.
Para tudo existia um timing. Tinha primeiro beijo, o primeiro namorado.


Hoje se fica. Com meia dúzia em cada festa. Não existe mais ritual algum.

Em meio a esse caos, qual foi a minha surpresa, ao receber a noticia do noivado da minha prima de vinte e um anos.
- Mas ainda usam isso?Pensei, pois na minha cabeça, noivados encontravam-se nos antiquários juntamente com vitrolas, e os long-plays do Jerry Adriani e Wanderley Cardoso.


Enfim, lá fomos nós para o jantar de apresentação das famílias. Gente que nunca se viu, sentados a mesa. Totalmente sem assunto, sal ou pimenta.
O noivado? Não durou o tempo de vir a fatura do cartão de crédito do pagamento do jantar.


Mas como a vida é cheia de surpresas, semana seguinte sua irmã ficou noiva de um rapaz que conhecera há um mês.
Recebi a noticia assim:
- Prima, estou ligando para te dar o novo número do meu celeular.
Eu, ingenuamente:
- Mudou por quê?
- Era uma oferta, compre alianças e ganhe um celular. Ah! Eu noivei!
- ?!?!?


Um mês depois viajamos todos juntos para passar um final de semana na praia.
Logo no segundo dia o noivo teve uma pequena contusão quando jogava futebol, mas sabe como são os homens, na sua própria opinião já estava tetraplégico e resolveu voltar para casa imediatamente.


Ela bela e faceira, fazia o ritual para ir para a praia se melecando com bronzeador enquanto ele gemia feito um touro atingido por bandarilhas numa tourada.

Resolvi meter minha colher, chamei-a num canto e disse:

(Atenção feministas, vocês, que queimaram souitens em praças publicas, vocês que lutaram pela emancipação feminina, aconselho que parem a leitura aqui mesmo. Sob o risco de se aborrecerem profundamente, terem sérios efeitos colaterais como náuseas enjôos e dores de cabeça, parem. Se continuarem é sua própria conta e risco.)
Para outras mulheres que não se importam em esquentar a barriga no fogão e refrescá-las no tanque, continuemos...


Eu lhe disse que se ele realmente decidisse ir embora, ela deveria ir com ele.
Ela candidamente me pergunta?
- Por quê?
Ai meus sais...
- Você não é noiva dele, guria?
Precisa ser companheira, estar junto. Você já assistiu cerimônias de casamento, pois não? Ouviu o padre dizer: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...
- Hei, espere aí! Eu ainda não sou casada com ele. Além do mais, só tenho uma semana de férias por ano e vou aproveitá-las.


Foi então que a 14ª. Mulher do Sultão se apoderou de mim.
- Você não está casada com ele, mas se pensa assim, nem case. Pois num casamento tem que estar junto, tem que acompanhar. Onde ele estiver você também tem que estar. Se for preciso vai usar burka, e andar dez passos atrás dele.


Ela me olhou muito arregalada.
As coisas se acalmaram, milagrosamente ele foi curado e foram os dois juntos para a praia, ela de biquíni mesmo, sem burka, caminhando lado a lado.


Eu sei que exagerei. Mas foi proposital.
Essas meninas pensam que noivar é tão somente comprar a aliança que vem com o celular, e colocar no dedo e apresentar o rapaz como “meu noivo”.


Imagino que a idéia que façam do casamento seja trocar a aliança para a outra mão, e apresentar o noivo como “meu marido”.

Brincar de casinha também vale.
E separar logo em seguida, porque não deu certo.


O que elas nem imaginam é que nós mesmas somos quem somos as responsáveis por fazer dar certo... ou errado.

O quanto custa ser gentil?

Estar atenta a pequenos detalhes?

Fazer o prato dele num jantar na casa de amigos?

Ele está a fim de discutir? Sair de perto. Se um não quer, dois não brigam.

Ele só pode tomar sol às sete da manhã? Ela só vai à praia depois do meio dia?

Ele tem horários rígidos e ela não?

Negociem. Conversem, cheguem a um consenso do que for melhor para os dois.

Mesmo irmãos que são criados juntos, são tão diferentes, uns dos outro. O que dizer, então de pessoas que vem de famílias diferentes, com outros costumes e educação.

Sem diálogo, não existe amor que sobreviva.
Nem se usar burka para se esconder dos problemas. Com certeza um dia eles virão á tona.


04/01/07

Carmem de Bizet.

As pessoas me chamam de “gata”. Mas bem lá dentro de mim eu ouço uma voz que sussurra: “Carrrmemmm”...

Na verdade eu sou uma gata. Preta. Meus pelos são macios e sedosos. Meus olhos são amendoados, cor de ouro e me dão um charme todo especial contrastando com o negro da minha pelagem. Costumo mover-me preguiçosa e languidamente por onde quer que ande. Não tenho pressa. A vida e mundo estão aí para serem vividos e apreciados.

Em dias de sol como hoje, gosto de caminhar pelo jardim, sentir a grama entre minhas patas e chegar suavemente até a bay window da casa. Normalmente, nestes dias os vidros estão abertos, então eu me aproximo e de um salto, alcanço o parapeito onde me deito.

Deste local privilegiado posso ao mesmo tempo usufruir o calor agradável dos raios de sol que atravessam as árvores do jardim e ao mesmo tempo observá-la através de meus olhos semicerrados. Ela sabe que eu estou lá. Mas no momento que chego não faz nenhuma menção à minha presença.

Escolhi meu nome por sua causa. Desde bem pequena, quando a ouvi ensaiar pela primeira vez , eu me identifiquei apaixonadamente por aquela musica. À medida que ia crescendo, ia aos poucos tomando conhecimento da realidade que me cercava. Ela é uma cantora lírica e é negra como eu, e seu nome pouco importa, pois eu a chamo de Carmem, também como eu.

Todos os dias ela ensaia horas e horas a fio. E eu fico aqui, deitada no parapeito de sua janela absorvendo prazerosamente o seu cantar. A minha canção preferida é Habanera, da ópera Carmem de Bizet. Esta Carmem, a da ópera era uma cigana sedutora e sensual.

Quando começam os acordes... pan param param pan pan.... eu fecho meus olhos e sonho. Sonho com terras distantes, com sol quente como o sangue que corre em minhas veias. Sonho que sou uma gata cigana de pelos negros e olhos amendoados cor de ouro. Charmosa e sedutora. Consciente do poder de minha feminilidade.

“L´amour”... ela canta... e eu me espreguiço... estico minhas pernas dianteiras para bem longe de meu corpo, movo minhas patas como se estivesse arranhando, abro a boca num bocejo preguiçoso...

“L´amour est un oiseau rebelle”...
Epa!
Alguma coisa acontece comigo sempre que ela canta que o amor é um pássaro rebelde.
Eu sinto uma súbita e incontrolável vontade de correr atrás dos passarinhos e sei, então, que está na hora do almoço.

06/07/2000

História sem pé nem cabeça do Barão do Rosário

Mesmo às vésperas da virada do milênio, Curitiba continua com sua alma provinciana. Os habitantes da cidade estão em polvorosa. O assunto repete-se na Boca Maldita, no bar do Passeio, no Parque Barigui. Fotos publicadas na Caras Paraná e notas diárias na coluna de Dino Almeida dão conta do andamento do projeto aos leitores ávidos pela novidades.
Madames, falsas loiras de topetes, procuram formas alternativas de chamarem a atenção, e quem sabe, poderem ter seu minuto de fama.

Quem tirou o sossego de tão pacata cidade foi ninguém menos que o famoso diretor cinematográfico norte americano Steve Spielberg.
O cineasta e sua equipe encontram-se em Curitiba fazendo as filmagens para o seu mais recente projeto. Campeão imbatível de bilheterias, Spielberg desta feita pretende nos contar a fantasiosa vida de um personagem que muito contribuiu para a nossa história:

O Barão do Rosário.

Nos idos de antanho, nas terras geladas do Norte da Europa vivia um rapaz escandinavo, Barão Ignacithor de Paulamundsen, filho de fidalgos da corte do Rei Olav II. Desde muito jovem ele tinha a responsabilidade de tomar conta da olaria da família que há muitas gerações produzia o melhor óleo de alce do reino. Aprimorando também de forma prática, através do trabalho, a educação tradicional que recebia de seus tutores.

O frio inclemente assolava o fiorde onde moravam e como qualquer adolescente sedento por aventuras Ignacithor sonhava com terras distantes das quais ouvira falar. Lendas contavam de uma terra graciosa, chamada Sambódromo, de povo gentil e alegre, denominados mulatas que se vestiam de plumas e cantavam e dançavam sob o sol tropical que nunca se punha.
Era chegada a temporada de caça ao bacalhau e sair ao mar nessa época é questão de necessidade e sobrevivência. Ignacithor exímio velejador viking, não hesitou em lançar as águas geladas do Mar Oceano a sua embarcação.

- Sorvete de bacalhau com calda de caramelo, bacalhau no óleo de alce, guisado de foca e bacalhau... - e sua boca encheu-se de água a lembrança da mesa farta com seus petiscos favoritos.
Vislumbrou então um cardume, iguarias em potencial e saiu em sua perseguição. Desviava cuidadosamente dos poços de petróleo e das perigosíssimas serpentes marinhas e não percebeu que pouco a pouco se distanciava de tudo e de todos.
Com bravura, seguiu além de todos os limites conhecidos, navegando em águas tempestuosas, quando uma violenta calmaria empurra sua nau até as costas de uma nova terra, vindo finalmente a encalhar no chafariz do Largo da Ordem.
O Barão em pânico prepara-se para uma luta de vida ou morte. Ergue sua lança para o cavalo ameaçador, imaginando ser ele o abominável monstro marinho, que segundo crenças da época habitava as profundezas do mar aberto.
No que foi de pronto impedido pela gente local, o Vampiro e a Polaquinha, que caminhavam pela praia.

Animo serenado, batimentos cardíacos normalizados, ao dar-se conta da aventura que protagonizara Ignacithor percebe que tem diante de si o mistério de uma nova vida. E sendo um jovem de mente aberta, decide nesse local se estabelecer para poder explorar essa cultura desconhecida e diferente.
Manda então um e-mail para seu rei, relatando com riqueza e profusão de detalhes sua chegada naquela terra de todas as gentes; onde a gralha azul plantando, pinheiros nascem.
Finalizando escreve:
“E nesta maneira Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. Peço que me perdoe por não poder lhe levar o bacalhau para a sexta-feira Santa.
Beijo as mãos de Vossa Alteza, graças a Deus pela ultima vez, pois nunca mais sentirei o cheiro de jaula que delas emanam.
“Deste chafariz seguro, desta praça do relógio das flores, hoje dia de feira, 29 de março de 1500.”

Decidido a estabelecer-se no local, caminhou alguns passos e escolheu um terreno que considerou adequado para erguer sua moradia. Com suas próprias mãos, pás, picaretas, tijolos e cimento construiu a sua casa, de arquitetura eclética, mistura de vários estilos.
Denominou-o Solar do Barão do Rosário. Assim como no linguajar da época, olaria é uma fábrica de óleo, Solar como o próprio nome já diz referia-se a uma imensa área descoberta da casa onde o Barão tomava seus banhos de sol. Rosário como homenagem à mãe distante que com tanto carinho dedicara-se ao cultivo de rosas.

Spielberg ao tomar conhecimento dessa surreal história através de Antony Quinn, quando este por aqui esteve, ficou tão entusiasmado que partiu imediatamente para Curitiba para filmar a vida do Barão do Rosário, aproveitando as comemorações dos quinhentos anos da descoberta do Largo da Ordem.
A equipe agora se encontra na parte histórica da cidade. As ruas da proximidade foram fechadas, impedindo o transito dos carros. Muitos curiosos querendo ver os artistas de “Róliude”. Ou quem sabe poderem aparecer no filme, naquele arroubo de criatividade dar um tchauzinho para a câmera. Inclusive transeuntes só podem permanecer no local munidos de uma autorização oficial. De nada adianta dizer:
- Sabe com quem está falando? - que eles não sabem.
Uma parafernália de equipamentos, coisas nunca vistas nas terras dos pinheirais, parecendo coisas de outro planeta. Só falta mesmo o ET em pessoa estar por ali, manipulando aquelas engenhocas de outro mundo.

- Façam uma tomada geral - grita o diretor.
- Mostrem o casario.
- Agora a fonte. Depois um close no cavalo.
Ordens dadas, ordens obedecidas, as seqüências vão sendo feitas uma a uma. Aos poucos vão se aproximando do casarão secular perfeitamente preservado pela iniciativa privada, of course. A construção é imponente e de suas estruturas emana toda a energia de uma história passada. Se estivermos atentos podemos ouvir o burburinho de vozes da antiguidade que se perpetuam no presente.

O Barão montou também uma escola no seu solar, onde ensinava aos jovens aventureiros a arte da navegação. Deste local saíram inúmeros desbravadores. Gente que reformulou os contornos do mundo em que tinham vivido até então, rompendo as barreiras da geografia e da própria mente. Contornaram o Caldeirão, trouxeram muambas do Paraguai, as fronteiras da cidade prolongaram-se para além do Portão, que vivia fechado.

A equipe, sincronizada sabe perfeitamente o que fazer. Aproxima-se do acesso principal, adentrando-o.
Do lado esquerdo da pequena alameda o imponente casarão, que atualmente abriga um espaço particular, vivo e atuante de arte e cultura. Do lado direito as salas de aulas que atendem a necessidade de abrigar as pessoas que ali participam de cursos.
Entram, então, em uma delas.
- Corta! – diz o diretor.
E continua:
- Quero agora que mostrem como a sala é ampla e de pé direito alto.
A seguir, dividam-na mentalmente me quatro partes: esquerda, direita, em cima e em baixo.
E nesta seqüência recomecem as filmagens.
- Tomada dois. A sala de aula. Cena Um.
- Filmando!

Todo seu lado esquerdo é ocupado por janelas que vão do chão quase até o teto divididas de três em três, por onde o Barão poderia observar o quotidiano de seu Solar mesmo ministrando seus cursos.
Ele sabia, por exemplo, que o carroção do Túlio estava chegando de Santa Felicidade com o vinho da Colônia. Primeiro ouvia o ranger do carro e aos poucos o poc poc dos cascos dos cavalos no calçamento.
Através das janelas sentia o cheiro agradável das cucas e dos pães sendo assados, e sabia que já era quase hora do almoço quando ouvia o ruído dos pieroguis frigindo.
Era através delas que diariamente ouvia Seu Manuel discutir com Stanislau:
- Português burro! – dizia um.
- Polaco ladrão! – retrucava o outro.
E à tardinha quando o sol se punha, todos juntos esquecidas suas mazelas, reuniam-se no bar do Alemão, logo ali em baixo, para beber chope.
Tudo isso, sons, cheiros, todos os sentidos estavam impressos naquelas paredes para sempre.

O câmera agora filma um quadro pendurado em uma das paredes. Uma pintura irreal, como essa historia, em vários tons de azul com algumas pitadas de ocre.
Cada um dos participantes da filmagem descreveu-o de uma maneira diferente, não parecendo falarem da mesma obra. Um dizia:
- Que belo um cérebro!
Outro:
- Que cérebro? Não enxerga aí um livro rasgado?
Um terceiro jurava que a pintura representava a coluna vertebral.
Mas todos foram unânimes em afirmar ter na tela um peixe e uma flor.
Seria o peixe o bacalhau que o Barão perseguia, e a flor uma rosa cultivada pela sua amada mãe?
Quem há de entender a arte moderna, onde as coisas parecem, mas não são.

- Corta!
- Chegamos ao ápice de nossas filmagens. Sigam o roteiro.
- Luzes! Câmeras! Ação!
Faz-se um profundo silencio. Nada, nem ninguém se movem. O único ruído que se ouve é o da filmadora. Pode ser percebido no ar um sentimento misto de respeito e admiração, por estarem diante de uma relíquia histórica de tal envergadura.

O câmera aproxima-se cautelosamente do objeto. Displicentemente largada, quase como que esquecida em um dos cantos da sala encontra-se o famoso barco do Barão. Relativamente pequeno, pois tem como a largura de uma porta. Mas para a vida desta terra das araucárias, sua grandeza é imensurável.
Não foi, pois, nesta embarcação que um jovem escandinavo cruzou o desconhecido mar Oceano, enfrentando toda a sorte de riscos, para finalmente aportar em segurança no chafariz do Largo da Ordem?
- Close na embarcação!
- Corta!

16/06/2000

Socorro Língua Portuguesa

Estava lendo um livro de crônicas, quando me deparei com o seguinte texto, que tomo a liberdade de resumir:

“Um rapaz perde sua jovem esposa. Num baú encontra um xale que ela havia comprado anos atrás e nunca usara, aguardando uma ocasião especial. Ele entrega o xale à cunhada que está encarregada de vestir a irmã para o funeral”

Certamente Tico & Teco não estavam de acordo no momento em que li o texto. Pois quando li a frase: “um rapaz perde sua jovem esposa”, a primeira coisa que pensei foi numa moça vagando numa floresta... perdida.

Então, ele “entrega o xale para a cunhada vestir “... A palavra funeral passou meio de despercebida. O texto estava sem nexo. Confuso.

Tinha uma moça perdida na selva. A sua irmã estava usando seu xale, que lhe fora dado pelo cunhado. Teriam eles um caso?
Resolvi reler. Mais uma vez. E outra.
Que horror! Que mente pervertida. Estava fazendo mau juízo de toda a família. Tudo por conta de uma palavra mal empregada.


Por que não foi dito logo de cara que a moça morreu? Ou faleceu? Ou desencarnou como preferem os Espíritas?

Eu perco chaves... aliás, com relação as ditas cujas, não as perco, simplesmente não sei onde as ponho.
Perco algumas gramas e ganho alguns quilos logo em seguida.
Perco coisas dentro das minhas bolsas e tenho que vira-las de cabeça para baixo para descobrir quais os mistérios que elas escondem.


Gente quando se perde, coloca-se anuncio no rádio, televisão, jornal, dentro dos ônibus, tem aquelas mensagens da Internet (essas não sei se são reais, mas não vem ao caso agora), dizendo que a pessoa de nome tal, conhecida pelo apelido de, que na ocasião vestia-se de azul, ou verde, ou qualquer cor, e calçava tênis, ou havaianas, ou o que quer que seja, desapareceu nas imediações de tal lugar. Que se gratifica quem fornecer informações a respeito.
Animais de estimação perdem-se deixando crianças e adultos doentes...


Eu não sou a pessoa mais indicada para fazer correções na nossa língua pátria. Como os finais das palavras, os “esses” do plural, e o que seria de mim sem as correções automáticas do Word. Não sou nenhum Rui Barbosa.
Mas existem certas coisas que ferem meus ouvidos.

Esse tal de perder ao referir-se a uma pessoa que morreu é uma delas.
Quer saber outra?

“Eu acho que...”
Acha o que, cara pálida?
Ouro?
Petróleo?
Um buraco para enterrar a cabeça?

Quem acha, acha alguma coisa.
Achar é sinônimo de encontrar, e não de pensar.
Portanto, da próxima vez que for emitir a sua opinião, não ache o que não perdeu. Diga:
“eu penso, eu sinto, em minha opinião...”
Ou melhor, se não souber o que dizer, não diga nada. Fique de boca fechada, pois assim não corre o risco de dizer besteira.

E preste atenção ao pedir qualquer coisa que seja. Se começar a frase dizendo: “Eu queria...” seu interlocutor pode com todo o direito lhe dar as costas e nada mais, pois se querias, no momento presente, não quer mais.
Presente do verbo querer é: “eu quero!” e ponto final.


05/01/07