domingo, 2 de novembro de 2008

2 de Novembro Finados

Imagino que não há de existir ser humano tão inocente ao ponto de não ter ainda percebido a indústria gigantesca que existe por trás dos feriados.

Na Páscoa só se ouve falar nos preços dos chocolates, se o consumo aumentou ou diminuiu de um ano para o outro. Ressurreição de Cristo? Cerimônia de lava-pés? Domingo de Ramos? Jejum? Péra lá, vamos com calma. Não estou entendendo bem.

Quem é Cristo? Algum cantor novo? Ator? Jogador de futebol? Corre na Fórmula I? Dá uma dica, vai... Essa história de lava-pés... Já sei! Passa no programa do Gugu, é como aquele quadro do sabonete... o do sushi... passa no Faustão. Você tá de pegadinha comigo... Domingo de Ramos, eu sei! É dia de pagode lá no bairro de Ramos. Errei de novo? Sacanagem... Jejum, todo mundo sabe, é fazer regime!

Pois é... foi nisso que se tornou nossa cultura pascal.

Dia das crianças é aquela data que foi inventada, possivelmente por alguém que odiava crianças e seus pais. Pois nessa época os progenitores ficam um pouco mais (se é que é possível) malucos do que o de costume. Eles são e deixam seus pimpolhos mais mimados e ainda mais mal educados.

Já no longínquo século XVI debatia-se em dúvidas existenciais o Príncipe da Dinamarca, criado pelo bardo... Imagine se hoje ele vivesse diante de todas as opções que temos disponíveis: Oh! Dúvida cruel, dar ou não dar aquela boneca... carrinho... laptop... celular, TV de plasma que o fedelhinho tanto quer, o que, com certeza absoluta, estourará o orçamento da família nos próximos doze meses.

Dia das Mães, é aquele domingo no qual tiram-se as mães do armário, colocam-nas sob o sol para dar uma arejada e tirar o cheiro de naftalina, e lá se vai a família feliz reunida, com pacotes de presentes e vasos de flores, muitos vasos de flores, almoçar em restaurantes congestionadíssimos. Depois do almoço as mães são trancadas de volta em seus respectivos armários até o próximo Dia das Mães, no segundo domingo de maio do ano seguinte.

Dia dos Pais, não dá tanto IBOPE quanto o Dia das Mães. Não chega a causar caos em restaurantes, mas o comércio não perde a oportunidade de tentar vender gravatas, CDs, DVDs, e hoje em dia até mesmo produtos e objetos que faziam parte do universo feminino, mas que devido a uma grande e bem sucedida campanha de marketing, os homens do século XXI perceberam que não poderiam deixar de viver sem: cremes, perfumes e até mesmo, pasmem, esmalte e utensílios de cozinha... Os grandes chefes não são homens?

Chegamos enfim a ao super-mega-gigantesco feriado. Aquele que todo lojista espera contando os cifrões o ano todo: Natal.

Responda depressa: ao deparar-se com essa palavra, qual é a primeira coisa que vem a sua mente? Ora, não se acanhe... Ninguém está lendo seus pensamentos. Não é isso que fará com que você pegue o elevador supersônico a caminho do inferno quando for chegada a hora. Vamos lá... coragem! Eu ajudo. Mas é só desta vez, okey?

Dou-lhe uma... Dou-lhe duas...e...

Peru com farofas!!!

Não? Está doente, menina?

Então está pensando na sobremesa!

Naquela sobremesa gelada, o tal de pavê... Pa-vê? Te dou... PÁ... vê, que coisa boa é morar no meu estômago!!!

Natal...

Você está pensando que vai sair do regime e engordar tudo o que emagreceu durante o ano em apenas uma semana... Está pensando nas intermináveis listas de compras? Na decoração? Nas festas? Nos presentes? No trânsito, que vai ficar infernal se é que é possível piorar o que já é ruim... Nas lojas explodindo de pessoas imprevidentes, um calor insuportável, pessoas essas que exatamente como você deixam tudo para a última hora . Você, obsessiva compulsiva, mesmo que não seja diagnosticada, nessa época não tem quem não surte, está pesando em só três verbos: comprar, comprar, comprar. Não se envergonhe...

Nem por um mísero momento passou pela sua cabecinha o verdadeiro sentido do Natal. Tem alguma coisa a ver com aquele moço da Páscoa, o Cristo, lembra dele?

Percebe agora a indústria que existe por trás dos feriados?

Dia 28 de Outubro estava eu numa sala de espera e como, por mais que me esforce, ainda não descobri como desligar o meu aparelho auditivo, escutei a conversa de duas mulheres que compartilhavam o mesmo espaço.

- Fui ao cemitério ontem, pois era o último dia para limpar os túmulos, disse uma delas.

Guardei essa informação no meu HD pessoal, na pasta cultura inútil, pois nunca se sabe quando posso precisar de uma informação como essa: saber que dia 27 de outubro é o deadline para preparar os túmulos. Continuou:

- Meus filhos não podem saber disso. Sabe como é, os jovens não ligam para essas coisas...

A outra concordou com a cabeça.

- Mas fui assim mesmo, afirmou orgulhosa de seu grande feito. Minhas cunhadas estão velhinhas...

Eu a observei por trás de revista de fofocas que estava fingindo que lia. Ela aparentava muita idade, cerca de uns setenta, se dizia que as cunhadas eram velhinhas das duas uma, ou eram centenárias, ou ela já não enxergava mais e tinha perdido completamente a noção da sua própria idade...

...uma das minhas cunhadas velhinhas me ligou chorando, pois não pôde ir limpar o cemitério...

Que safada, manipuladora, pensei eu, ao invés de permanecer quieta em seu canto, foi atormentar os fantasmas das outras e conseguiu...

- Bem que você fez – disse a segunda – cumpriu com sua obrigação.

A primeira continuou a filosofar em voz alta:
- O meu marido não está enterrado lá, pois foi cremado. Meus sogros faz tanto tempo que faleceram que nem existem mais.

Cumprem-se as profecias: Tu és pó e ao pó retornarás.

-Mas sabe como é, as pessoas vão ao cemitério em finados e se virem o túmulo abandonado vão falar.

PQP! Até tu Brutus! A indústria da fofoca e maledicência chega a post mortem.

A outra lamentou:

- Eu, infelizmente(????), não tenho túmulos para limpar...

É para rir ou chorar?

...pois meus pais não estão enterrados aqui.

- Mas você não vai ao cemitério em Finados? Perguntou a limpadora de túmulos com um ar inquisidor.

- Claro, não deixo de ir!

- Mas então vai rezar no Cruzeiro da Almas.

- Isso mesmo...

Eu olhava para uma e para outra como se fosse um Aberto de Tênis..

- Eu procurei alguém no cemitério que pudesse fazer a limpeza para mim, mas estavam todos ocupados. Sabe como é, nessa data todos querem colocar seus túmulos em ordem para o dia de Finados. Eu vou voltar lá dia dois de novembro sem meus filhos saberem. Não tem mais ninguém no túmulo, mas tem os nomes nas placas. Vou pelas minhas cunhadas, colocar umas flores, afinal faz parte da nossa cultura...

Pára tudo!

Faz parte da cultura alimentada pela ânsia em obter lucros às custas da ignorância das pessoas. A pergunta que não quer calar é: por que os mortos devem ser lembrados um dia só no ano?

Quem já perdeu alguém que ama sabe o quanto isso dói. O peito aperta, o coração fica pequeno, lágrimas caem a qualquer hora, em qualquer lugar. Não tem dia marcado nem horário combinado. A falta que alguém nos faz não tem o que preencha. Um dia só no ano para lembrá-lo não é suficiente. Por que ir ao cemitério, um lugar de morte, de ossos, de vermes para lembrar de amores, de vida, de risos, de alegrias, para lembrar de quem nos fez feliz? Não é muito mais sensato e saudável fazer uma oração pelos nossos mortos num parque, num jardim florido, num lugar bonito?

Quando eu morrer vão me encontrar por ai em qualquer lugar agradável, colorido, bonito. Dia de Finados, cemitério, tristeza, estou fora!