domingo, 31 de janeiro de 2010

De médico e louco...


O sujeito era tão grosso, mas tão grosso, que quem ousasse descrevê-lo como quadrúpede ou cavalgadura com certeza sofreria um processo por parte do sindicato dos equinos por calúnia e difamação aos nobres membros da família Equidae – citem-se asnos, cavalos, jumentos e zebras.


Contudo, apesar de toda a grossura, era um doutor. Não um doutor qualquer. Um médico. Ortopedista. Com muito orgulho.


Mas tanto que se julgava o rei... da ortopedia? Não, da cocada. Da cocada branca. Da preta. Da de leite condensado... nham... nham... nham... nham... nham... nham... de coco queimado, de maracujá... Era o rei do tabuleiro inteiro.


Sua pessoa, por si, já não passava despercebida. Era um homem de estatura muito mais alta que a média, de porte avantajado, grandalhão. Também usava roupas espalhafatosas e, como se não bastasse, falava alto com sua voz de barítono. Muito alto.


Tudo nele era "over". Seu estilo, seu tamanho, sua risada, suas crises de mau humor.


O tradicional prédio de consultórios foi um lugar agradável até o dia em que ele se mudou para lá. Dividiu um andar com o neurologista que se encontrava nesse local desde o dia da inauguração do edifício.


O hall de entrada dos elevadores, comum aos dois consultórios, outrora tão discreto e aconchegante, decorado com tanto bom gosto em estilo inglês, com cenas de caçada, iluminação indireta, tapetes persas, transformou-se num picadeiro de circo, de onde o leão poderia sair a qualquer momento, rugindo sua ira, sedento por carne humana.


Uma tarde, uma senhora desavisada bateu no seu consultório à procura do neurologista. Teve a infelicidade de dar de cara com o ortopedista.


– A senhora não sabe ler?


A pobre coitada olhou para ele sem entender o motivo de tanta ira.


– Não está vendo que aqui é um consultório MÉ-DI-CO?


– E eu, minha senhora, sou um ortopedista – dizia ele com muito orgulho, batendo no próprio peito como se fosse um orangotango.


Como a senhora nada lhe respondia, talvez dominada pelo choque por ter encontrado tal aberração em seu caminho, o eficiente doutor resolveu abrilhantar a sua explicação.

– Minha senhora, quero lhe informar que a clínica de loucos é na outra porta... Tenha um bom dia!

A sábia senhora olhou-o de cima para baixo va-ga-ro-sa-men-te, com um olhar condescendente e misericordioso, e respondeu:

– Na verdade, Dou-tor – disse enfatizando bem a palavra –, vim fazer uma entrevista com seu colega, que acabou de ser eleito para fazer parte do Conselho Internacional de Neurologia. Mas já que o senhor é tão prestativo, quero aproveitar e fazer-lhe algumas perguntas.



Ele estufou o peito tal qual um peru, crente que estava abafando. Afinal das contas, era o rei da cocada. Ou não era?


– Diga-me, caro doutor:


-Pelo que eu posso perceber, o senhor não deve ter tomado o seu medicamento hoje, tomou?

- E o senhor tem notado alguma diferença no seu tratamento?


- Qual é o horário em que suas crises pioram?


- O senhor costuma babar ou só rugir?


- Conseguiu deixar de dormir com a sua naninha?


- O senhor está aqui para pegar a sua guia de internamento?


- O senhor já nasceu assim ou ficou no decorrer do tempo?


- O senhor se trata aqui há muito tempo?


- Já consultou outros profissionais? Não seria um caso para a psiquiatria?


- Pelo visto o senhor é um caso perdido... Já tentou fazer um despacho?

12 de novembro 2009


"Pois em mim o que incomoda, na verdade, não é o barulho dos culpados, e sim o silêncio dos inocentes."





4 comentários:

  1. Esqueceu de mencionar as sobrancelhas de taturana e o bigodón! hehehehe
    Lavar a alma é sempre bom!

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  2. Mas vai que o rei da cocada branca, num momento de lucidez, permita-se um auto retrato, e venha com o tabuleiro para cima de mim? Tenho sete vidas e quero preservá-las todas...

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  3. Murphyyyyy.... Vim aqui ver seu texto de autor desconhecido, que eu já conhecia, não o autor, o texto. E agradecer sua visita e suas doces palavras.
    Aproveitei para reler este aqui que está ÓTEMO!!!!!Todo maiúsculo.
    Adorei a senhorinha.
    Beijo krida. E viva o vinho que a vida continua nada.
    Beijo
    Marie

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  4. Hoje passados 3 anos que esse texto foi escrito, quero contar uma coisa, acreditem se quiserem, ele foi baseado em pessoas reais e um fato real...tem muito maluco solto nesse mundo.

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Tenho interesse em saber sua opinião sobre meus textos.
Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?