quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Véspera de Natal.


13:30 horas.
Minha amiga, Ingrid, não se encontra em casa. Resolvo arriscar a casa dos pais. Talvez tenha a chance de encontrá-la perdida dentro de uma montanha de fios de ovos, soterrada no meio de uma farofa ou afogada numa vinha d´alhos.
Seu pai atende ao telefone no melhor estilo germânico:
- Gherad Müller!
Imagino-o fardado com o uniforme da Gestapo fazendo continência para o Fürer, enquanto tremulam as bandeiras vermelhas com a suástica, todas as vezes que sou surpreendida ao ouvi-lo do outro lado da linha.

Porém, devo admitir que essa sua forma é muito melhor do que aquela antipaticíssima:
- Quem?
Sempre tenho vontade de perguntar:
- Quem, o que cara pálida?
Quem descobriu o Brasil?
Quem foi o primeiro homem que pisou na lua?
Quem foi o FDP que inventou essa expressão imbecil para falar ao telefone?

Falo ao pai de minha amiga:
- Boa tarde, senhor Müller. Aqui é a Catherine Riccio. Como vai o senhor?
Ele responde numa imitação de Don Corleone, dizendo ter sido desnecessária a minha apresentação, pois reconheceu minha voz pelo meu sotaque napolitano.
Sotaque este totalmente inexistente, pois do idioma paterno as poucas palavras que conheço referem-se a duas primas Cucurbitáceas (cucozza e cucuzziello, abóbora e abobrinha), ao tomate, que aqui virou marca de molho (pummarola) ao respectivos membros da anatomia masculina e feminina, (melhor não mencioná-los), e um membro comum aos dois gêneros.
Algumas frases, se é que se pode chamá-las assim, extremamente lacônicas como Buon Giorno, Arriverderci e Grazie.
Duas palavras coringas : Ciao e Prego.
Em caso de precisão, sem nenhuma garantia de que vá funcionar um: “Aiuto, Carabinieri!”
E quando tudo der errado, um definitivo: “Va fa in cullo!”
Nada representativo o bastante que pudesse me dar o alegado sotaque peninsular.

Senhor Müller fazia troça comigo. Durante anos havia sido muito amigo de meu pai.
Como meninos grandes provocavam-se mutuamente o tempo todo, meu pai chamava-o de Tedesco, e ele revidava chamando-o de Italiano. Penso ter ouvido alguma coisa sobre um possivel encontro marcado entre os dois na primeira nuvem a esquerda...meus sais, nem dá para imaginar! O Além jamais será o mesmo!

Pergunto pela Ingrid. Ele não sabe dela. Deveria ter chegado duas, tres horas atrás e ainda não chegou, está atrasada como sempre, segundo ele.
- Mas sabe como é tua amiga, não sabe? Pergunta ele.
- Sim, respondi, divagando... Pais são seres esquisitos, Ingrid tem mais de quarenta anos, quase cinqüenta na verdade, filhos adultos, e seu pai ainda pensa que ela é uma criança.
- Você também sabe o quanto ela me atormenta, não é? Continuou, ele.
- Ah! É?
- Ela liga várias vezes ao dia, sempre com uma porção de desculpas. Muitas vezes não diz nada, fala que esqueceu o motivo do telefonema.
Eu ouvia, e de certa forma achava graça.
- Aliás, ela me atormenta desde o dia que nasceu, continuou ele. Veja você, eu estava pronto para ir ao futebol, era jogo Coritiba e Santos foi quando a Sara começou a reclamar de contrações, e eu ao invés de ir para o estádio precisei levá-la ao hospital.
- Uhmm! Uhmm! E depois para seu azar, ainda nasceu uma menina, provoquei.
Pois é, Sr. Müller, mas o senhor já pensou como seria sua vida sem a Ingrid?
De pronto, rindo, ele respondeu:
- Eu teria mais dinheiro.
- Mas com esse dinheiro o senhor seria mais feliz? Questionei.
Ele não respondeu.
- Vocês são dois cabeçudos! Disse rindo e desliguei.

Durante um tempo os dois ficaram brigados, sem se falarem. Dois bicudos não se beijam.
Exultei quando soube que haviam se reconciliado. E percebo pelas suas atitudes o quanto de amor não expresso existe. Senhor Müller já não tem mais dezoito anos. Como meu pai, tiveram participação ativa na indústria da fumaça durante anos. Por mais que tenha deixado o cigarro, as conseqüências do tempo em que fumou se fazem presente. Quando uma peça falha e o Sr. Müller vai para concessionária fazer revisão Ingrid morre um pouquinho, mas aposto que não fala para ele. O que me leva a crer que toda a vez que ela liga aparentemente sem motivo, “só para atormentá-lo” como diz ele, no fundo o que ela quer, é saber que ele ainda está lá, ter a certeza de que é ele quem vai atender ao telefone, com seu jeitão todo especial.
E que por mais que ele diga que teria mais dinheiro se ela não existisse, aposto que trocaria toda a riqueza material no momento que percebesse que o bem mais precioso está ao seu lado e dinheiro nenhum pode comprar.


Feliz Natal!

Um comentário:

  1. Legal, sensível, bonito, interessante, de certa forma engraçado. Muito bom mesmo. Você demora garota, mas quando escreve não perde tempo não.
    Que o Natal tenha sido bom e o Ano Novo seja cheio de coisas ótimas para escrever, ler, pensar e viver.
    Beijão
    Marie

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Tenho interesse em saber sua opinião sobre meus textos.
Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?