terça-feira, 3 de março de 2009

Vida e Morte


Os presentes de Natal podem ser os mais variados possíveis, novidades tecnológicas que víamos nos desenhos dos Jetsons, máquina de lavar que fala, televisão com tela de plasma gigante, geladeira com internet, celular que tira fotografias, toca música, filma, tem GPS e, pasmem, funciona até mesmo como telefone!

Jóias, livros, DVDs, skates, roupas, chocolates, brinquedos, produtos eróticos, bebidas, viagens... A imaginação não tem limites, o bolso sim, mas isso é outra conversa.


Muitas vezes as pessoas resolvem presentear a si mesmas. Cansam de esperar que o outro adivinhe seus gostos e desejos e, sem medo de ser feliz, acertam na mosca seu próprio presente.


Pois neste Natal eu me presenteei. Um presente que vai durar minha vida inteira, e um pouquinho mais.

E duvido que alguém neste mundão de meu Deus tenha ganhado ou tenha se dado alguma coisa parecida.

Vou falar de uma vez para não ficar fazendo muito suspense. O nome é pomposo: "Contrato de Assistência Funerária", que não é nada mais nada menos que uma espécie de vale-enterro.

É esquisito?

Estranho?

Ficou louca?


Uma amiga me ligou no celular e fez a pergunta tradicional:

– Pode falar?

– Posso, sem problemas, desde que seja breve.

– Onde você está?

– Conhecendo a capela do meu velório...

– Por que isso? Onde é que você está com a cabeça?

– Por enquanto ainda em cima do meu pescoço, pois, quando não estiver no seu devido lugar, não estarei apenas visitando a capela, e sim tomando parte ativamente de uma cerimônia que nela esteja sendo realizada, pensei.


Até algumas horas antes dessa visita eu não fazia a menor idéia do custo de um velório. Mas no momento em que tomei conhecimento, e também da existência do tal auxílio-funeral, ou coisa que o valha, deixei imediatamente o que tinha para fazer e rumei para as proximidades do cemitério, que é onde, obviamente, encontra-se o escritório... ops... da funerária.


Vejam só como morrer dá trabalho:

Precisa-se de um caixão, também chamado de urna mortuária (chique, não é?).

Mesmo não sendo noiva, é necessário um véu.

E também castiçais... E como estes não podem e não devem ser colocados sobre o caixão, pois o defunto corre o risco de ser cremado caso as velas caiam sobre a sua pessoa, faltam os suportes dos castiçais.

Depois, tem aquele livro, que até hoje eu não descobri para que serve. Em todo velório que fui, sempre assino meu nome e nunca recebi uma cartinha que fosse de volta. Não consigo imaginar se as pessoas permanecem com este registro de presença e, depois de tempos, ele é lido em reuniões de família:

– Você viu a tia Maricota no enterro?

– Não, ninguém viu...

– Então quem assinou o nome dela?

– Deixa eu ver...

– Ah! Mas essa letra não é dela, mesmo...


O que mais falta?

Flores, o local do velório, terreno no cemitério, levar o defunto, pois ninguém morre em capela mortuária, muito menos dentro do cemitério. E tem ainda a documentação para a liberação do corpo para o enterro... Não basta estar morto, é preciso provar que está morto.


Essa história de "corpo" me intriga. Vamos pegar como exemplo um adulto de cerca 70 anos. Passou todo esse tempo com um nome, sobrenome, um título, talvez. Podia ser chamado de Paiêêê!!!

Ou Maaanhêêê!!!

Dr. Fulano, dona Beltrana, Benhê! Fofa!

E, de repente, num piscar de olhos, vira "o corpo".

– O corpo não foi liberado ainda...

– O corpo não chegou ao cemitério.

Com o último suspiro, a pessoa perde tudo, até mesmo sua identidade... Esquisito isso.


Como morrer requer toda essa parafernália, essa parafernália vai ter um custo evidentemente.

Um terreno pode custar entre R$2.500,00 a R$ 19.000,00.

Creio eu que a diferença deva ser conforme a sua localização, se tem vista para alguma paisagem interessante, para o morto não ficar entediado, se é um lugar seco, arejado, ensolarado, espaçoso, coisas no gênero.


As tais das urnas também variam o preço, de R$171,00 até R$13.000,00. Imagino que essa última deva ter ar-condicionado, colchão... As médias, de R$710,00 a R$1.090,00.

Trocando em miúdos, um velório custará entre R$3.500,00 e R$5.000,00 sem terreno.

De posse dessas informações estarrecedoras, no dia 23 dezembro fiquei em estado de choque.

Uma coisa é gastar essa grana viajando, fazendo alguma coisa que dê prazer. Outra completamente diferente é ser surpreendido com uma notícia:

– Tio Pedro morreu!, e lá se vai o dinheiro que você estava guardando para outro fim, literalmente enterrado com o finado, desprevenido tio Pedro.


Tenho uma tia de 86 anos, minha mãe tem 70 e alguma coisa. Isso não quer dizer nada, pois eu posso perfeitamente ser atropelada na esquina. Mas imagina-se que, seguindo uma ordem natural do Universo, elas batam as botas antes que eu.


A grande vantagem do plano é a possibilidade da inclusão de até nove membros da família.

Então, pela bagatela de R$29,90 por mês, eu posso enterrar nove parentes. Não é o máximo?


E tem a visita à capela. Já que estava no fogo, eu teria que me molhar, não é mesmo?

Depois de morta, não ia nada eu querer reclamar das instalações onde me pusessem para ser velada.


O vendedor, muito atencioso, foi me mostrando as salas diamante, rubi, esmeralda, uma jóia mais preciosa que a outra, tudo muito bonito, de bom gosto e confortável. Acabaram-se os intermináveis e incômodos velórios, nos quais os viventes terminam em pior estado que os próprios mortos. Cadeiras, não, poltronas tais quais de cinema, ar-condicionado e, conforme a jóia, digo a sala, tem até quarto para a família tirar uma soneca. Periga dormir demais e perder a hora de enterro. Olho uma cabine envidraçada e pergunto:

– O que é isso, é para DJ?

Acertei na mosca.

– É para as últimas homenagens, quem quiser passar algum filme sobre a pessoa, pôr fundo musical.

Oba! A coisa está ficando cada vez melhor. Para ficar perfeita , na minha opinião, só falta ser como velório de filme americano, com comida. Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu fome num cemitério. Ou quem nunca saiu de um enterro e foi jantar ou almoçar fora. O morto não tem fome, os vivos têm.

Então vamos deixar de hipocrisia que um velório com um vinhozinho e alguma coisa para forrar o estômago seria muito melhor, não seria?

Salut!


27 de dezembro de 2008





4 comentários:

  1. A ha! Agora eu te pego no ato! Antes mesmo que vc bata as botas ou, expressão muito mais divertida que eu encontrei no dicionário "dê com o rabo na cerca", não é legal?

    Eu já disse "ao vivo" o que penso sobre isso: vou mais é gastar meu dinheirinho comigo mesma e quem ficar por aí depois é que pague a conta! Mas, como vc bem mesma lembrou que o desinfeliz a pagar a conta pode ser vc mesma no caso daqueles que a ordem natural de Darwin deveria levar primeiro, então achei sua decisão muito sensata.

    Só fiquei triste com uma coisa do seu post... E eu que quero ser jogada no fogo pra ir me acostumando assim que partir desta para melhor, ou pior(nunca se sabe, vai que me mandam pro paraíso, já pensou que chatice?!)? Fiquei sem saber como é ou quanto custa o plano pra quem quer virar churrasquinho de presunto, quero dizer, defunto.

    Já imaginei dois serviços que vc poderia prestar! Garota-propaganda do álém (divulgando o kit funerária: vc liga e pede pelo número 1, 2, 3 etc...) e personal-promoter do etéreo, organização de regabofes assombrados, etc e tal! Não é o máximo?!

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  2. Auhauahauahauahaa!!!
    Vocês duas me matam. Quer dizer, ou não.
    Há que se estar bem vivo para pensar assim na morte.
    Concordo com a Ju. Pensando na morte da bezerra", como diria minha avó, que aliás já tinha seu lugarzinho guardado, como todo o resto da família. Já são tradição no cemitério lá de Itajaí. Hehe.Todas as mulheres mortinhas mais velhas que Matuzalem, os homens, que por ordem natural ou não foram todos antes, agora teem suas ossadas por cima delas.
    Arg!!! Que ninguém de minha família veja isso aqui. Vão dizer: _ Viu!?!?! Aquela não presta mesmo. Faz suruba até com os mortos.
    Mas o que dizia é que acho sábia a decisão de comprar um plano para o caso de ter que enterar alguém, assim, de supetão.
    Eu também, se tiver que ser assim, prefiro ser cremada.
    Mas também, e por via das dúvidas, já combinei com minha amiga Rosani, cinco anos mais velha do que eu e acho que bastante mais maluquinha. Quando estivermos rondando os 90, e se estivermos ainda rondando por aqui, compramos uma passagem só de ida para o Everest. Morremos com vista para aquela lindeza preservadas para os etês ou o porvir da humanidade (que provavelmente serão quase a mesma coisa) como estautinhas de gelo.
    Bonitinhas né???
    Grande texto krida.
    Beijos
    Marie

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  3. Me aguardem...Vida ou Morte, a revanche! virá espero que antes que alguém dê com o rabo na cerca. Mas como só posso cuidar do meu, que diga-se de passagem é lindo, chama-se blue point, não é chique? que cada um olhe bem para o seu quando pular a cerca...

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  4. Acredite ou não, eu não me dei de presente o plano, mas andei visitando cemitério e capela também... moramos só nós quatro em Curitiba, portanto preciso de um lugar para ser enterrada, certo? Não vou deixar pra parentada de SP resolver isso e imagino que meu marido esteja bem ocupado com meus filhos para decidir tudo o relatado abaixo, sozinho.

    Concordo em gênero, número e grau em ser um absurdo a gente virar "o corpo" de uma hora pra outra, cacete! Eu tenho nome sobrenome, aliás quatro sobrenomes (a plaquinha - que você se esqueceu de mencionar, vai ter que ser bem grandinha...), não quero ser chamada de corpo. Já passei por esta perda de identidade quando tive meus filhos, na maternidade você é internada como Fulana de tal e depois de parir vira "mãezinha", ou Fulana - a mãe do fulaninho. eu detestei esta experiência, portanto, mesmo depois de morta serei a Fulana de Tal e pronto!

    Eu acho que o tal livro, se não serve para falar mal da tia Maricota, deve servir mesmo é para mala-direta da funerária...eles não perderiam este filé.

    E por falar em filé, sim, um rega-bofe, ou melhor, um rega-defunto seria bem interessante, no interior costumam "beber o morto", ou seja, encher o caneco e contar piadas, assim o tempo passa e o clima fica mais leve.

    Adorei as tais salas-jóias, talvez sejam as únicas jóias que terei na vida ou na morte, seja como for, continuam sendo jóias, as poltronas de cinema, uma comidinha, vídeo e som ambiente...Ahá! Achei onde fazer minha festa de 40 anos! Parece tão aconchegante, a gente ainda poda dar um rolê nas outras salas-jóias e descobrir os "causos" ao nosso redor, proporcionando mais assunto além de "detonar" com as amigas que não foram à festa! Me dê logo o telefone da funerária, quem sabe tem desconto de segunda à quinta, igual a Buffet Infantil?

    Práticos mesmo são meu marido e minha mãe, ela já comprou seu terreninho e tá deixando tudo do jeito que deseja, ele quer ser cremado - e já se explica, custa menos e não dá essa trabalheira.


    Eu, continuo querendo viver para sempre...fazer o quê? Cada louco com a sua mania!

    Beijos,
    Carlota

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Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?