sábado, 23 de fevereiro de 2008

Declaração de amor.


Lendo o quase romance, quase ficção de Carlos Heitor Cony, intitulado “Quase Memória”, identifico-me com o personagem central, seu pai, num ponto crucial: seu amor? Apego? Abnegação?
Aos lápis e canetas.

O Sr. Cony “escrevia com penas de aço, descartáveis que precisavam ser molhadas na tinta. Usou também as canetas tinteiro mesmo sem nunca te-las apreciado. Quanto as esferográficas nunca se habituou a usá-las.
Dava preferência ao lápis que usou até o fim de sua vida”

Segundo o autor “a máquina de escrever foi responsável pela aposentadoria de uma geração de jornalistas, inclusive seu pai. Pois ele nem sequer ousou experimentar a aprender a usá-la. Não que não fosse capaz, mas porque sabia que ao bater a máquina perderia o contato físico com o papel e sem esse contato o pensamento ficaria difícil de escorrer.”

Não me considero uma velha tacanha daquelas apegada “aos bons tempos do passado”.
A minha “ídola” Danuza Leão sempre apregoou que uma mulher não deveria confessar sua idade ja-ma-is, nem sob tortura.
Mas para minha surpresa no seu último livro abre seu coração e revela o segredo irrevelável.

Se fizer alguma diferença, fui do tempo do disco de vinil, calma lá! Não precisa exagerar! 78 rotações também não!
A televisão era preta e branca, o bonequinho dos cobertores Parahyba cantava:
“já é hora de dormir, não espere mamãe mandar, um bom sono prá você e um alegre despertar!” apagava a vela que trazia, a TV Tupi encerrava sua programação, e depois disso chuvisco na tela. A televisão ia dormir e nós também às 21horas.
O homem chegou à lua, mas teve gente que não acreditou.
Os Beatles eram os Reis do Yé-Yé- Yé.

Para quem gosta mesmo de números que faça um calculo aproximado, raiz quadrada, nove fora eleve a potência que quiser e que seja feliz!

Mas como ia dizendo, não me sinto tão velha assim ao ponto de não estar aberta para as facilidades do mundo moderno.
Muitas contemporâneas minhas, algumas amigas, até mesmo mais novas são incapazes de chegar perto de um micro.
Computador.
Não um microondas.
Se bem que é capaz de que alguma delas tenha medo de microondas também. Não tem louco prá tudo?

Eu sou curiosa.
Gosto da tecnologia e dos benefícios que ela me proporciona.
Não sou nenhuma nerd, mas também não posso me considerar uma total analfabeta na área da informática.

Sou capaz fazer pesquisas na Internet, de descobrir, num estalar de dedos, coisas novas que jamais estariam ao meu alcance se não fosse pela existência do computador.
Posso me comunicar com quem quer que seja, onde quer que esteja, não só por e-mail, mas também posso ver a pessoa e falar com ela.
Posso ler livros, ouvir músicas, ver filmes, editar fotos... as possibilidades são ilimitadas e infinitas.

Mas tal qual o pai de Carlos Heitor Cony tenho minha paixão por papel e lápis. Com a diferença que em relação as canetas que eu não uso penas e nem tinteiro, e me rendo a meras esferográficas Bic mesmo.

Amo escrever meus contos em cadernos. Ou em folhas de papel soltas que depois não acho mais, ou encontro após muito tempo perdida sabe Deus onde.

O contato físico da mão que segura a caneta, deslizando sobre o papel, no ritmo do pensamento é como um balé.
E esse balé muda o compasso, ora agitado, alegre, triste, diferenças essas ditadas pelas minhas emoções além do veículo utilizado.
Por exemplo, a escrita com um lápis mais macio especial para desenho, sai de um jeito, já a feita com uma caneta de ponta porosa tem outro sabor.

O papel e a caneta são como se fossem uma extensão de mim mesma. Enquanto a caneta corre em cima da folha de papel as palavras fluem mais leve e rapidamente. Como se nós quatro, meus pensamentos, minha mão, o lápis e o papel fossemos um só.

Já um computador é um ser distante. Nele tudo é lento e pesado.
Ele tem sua própria identidade. Está ligado na tomada, na dele.
Não sou capaz de considerá-lo uma parte de mim. Ele é ele. E eu sou eu. Jamais seremos nós.

Além do que um caderno e uma caneta podem estar sempre comigo. Quando a idéia surge... lá estão eles, leais companheiros, a postos, sempre à mão.
Se for um micro, mesmo que seja um laptop, já fica um pouco mais difícil.

Outro dia estava dentro do ônibus e tive uma inspiração. Tirei o caderno da mochila e rabisquei as primeiras anotações.
Já pensou tirar o laptop da mochila? Nada de mais...
Mas qual seria a probabilidade de voltar com ele intacto para casa?

Escrever no papel não requer prática nem habilidade. (Desde que alfabetizados, óbvio mais ululante!)
Mas estou percebendo que uma hora há de chegar a que os textos deverão obrigatoriamente ser escritos direto no micro.

Já são tantos e transcrevê-los será tão cansativo, além de que como hei de traduzir os meus próprios hieróglifos grafados no furor de emoções passadas e há muito esquecidas?
Chegará o momento inevitável que serei obrigada a depor minhas armas. Lápis e canetas permanecerão lados a lado esperando o momento para serem utilizados tão somente para anotar uma mera lista de compras ou um recado qualquer.

Deixarei de lado o prazer e amor que sinto com a escrita a mão e terei que me render à frieza dos teclados.
Junto à tela com certeza terei amuletos, patuás, figas e trevos de quatro folhas.
Para cada texto que escrever ou copiar, uma vela acesa, uma oração, para que não apareça na tela aquela mensagem:
“este programa encontrou um erro fatal, e está sendo encerrado”.

2 comentários:

  1. Existe vida depois das canetas Bic! E é muito mais veloz!
    Como passar do patch a mão pro patch a máquina. A produtividade compensa a falta de charme...

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  2. Existe vida, mas bem como você mesma disse, sem charme. Há de existir um mundo em que se pode ter absolutamente tudo. Bisou!

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Tenho interesse em saber sua opinião sobre meus textos.
Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?