quinta-feira, 3 de abril de 2008

E Ragnilde foi a Madagascar.

Ragnilde era uma eloá que vivia na costa africana próxima da ilha de Madagascar.
Mas uma coisa a diferenciava, e muito dos outros membros da manada.
Ela era rosa. Rosa com pintas amarelas.


Ragnilde vivia muito só, pois por ser diferente não era bem aceita pelos outros elefantes.
Não era só o fato de não ser como os outros, mas sentir-se diferente, como se fosse de outro planeta.
Ela não era desprezada, mas era uma coisa que sentia e não conseguia explicar.


“Se ao menos eu fosse só rosa...”


“Se ao menos eu fosse cinza com as pintas amarelas...”


“Se ao menos eu me chamasse Marie...” pensava a insatisfeita e melancólica Ragnilde a eloá rosa com pintas amarelas.


Ela era incapaz de explorar o fato de ser especial, a única no mundo. Queria ser como todos os outros. Exatamente iguais. Todos cinza.
Todos com o mesmo nome.
Queria ser apenas mais um elemento naquela manada de elefantes que vivia na costa africana próxima da ilha de Madagascar.
Sentia-se muito só, mesmo na multidão do seu grupo. Mal sabia ela que a resposta para suas angústias estava muito mais próxima do que ela ousava imaginar.
O que Ragnilde não sabia é que todas as respostas estavam dentro dela mesma.


Uma tarde caminhava na praia ao entardecer. Olhando o sol se por avistou bem ao longe, na linha do horizonte a ilha de Madagascar.


“Será que lá naquela ilha existem elefantes cor de rosa?”


E preparou-se para partir. Despediu-se da sua manada e na manhã seguinte muito cedo quando o sol ainda nem havia levantado iniciou sua aventura.
Foi entrando no mar devagar e quando não podia mais caminhar começou a nadar.
Nadou.
Nadou.
Nadou até chegar exausta nas areias brancas da ilha. Como estava muito cansada da longa travessia, deixou-se ficar ali mesmo, deitada naquela areia fina e muito branca, que estava morna, aquecida que fora pelo sol que estava se pondo.


Ragnilde levantou os olhos e olhou para o céu ainda azul, onde a primeira estrela já piscava.
Então outra começou a brilhar. Depois outra. Mais outra e outra...
Ela olhava e pensava:
“Aqui da Terra todas as estrelas parecem iguais. Parecem, mas não são. Cada uma delas é um planeta diferente. Cada qual com sua característica, cada qual com sua individualidade. Um totalmente diferente do outro.”
Voltando seu olhar para o chão observou:
“E esses grãos de areia são exatamente iguais uns aos outros? Para meus olhos eles se parecem, mas seriam iguais? Tenho cá minhas dúvidas.”
“Os flocos de neve, a uma primeira vista parecem todos bolinhas, mas quando observados cuidadosamente sob lentes de aumento vê-se que eles tem diversas formatos como estrelas que não se repetem. Um arroubo de criatividade do Criador. Ele deveria estar especialmente inspirado quando criou os flocos de neve. Isso significa que a criatividade não tem limite. Não tem fim.” Concluiu.


Deitada na areia agora a noite chegara sob o céu estava coalhado de estelas prosseguia com seus pensamentos:
“Não posso deixar esquecer as flores, cada qual com seu perfume, sua cor e textura. Os próprios seres humanos têm as características básicas da raça humana como duas pernas e braços, cabeça, dois olhos, cabelos ( é, alguns não tem cabelos...), mas são todos diferentes. Nossos olhos pequenos só enxergam suas as semelhanças. Somos tão limitados, apesar de nosso tamanho de elefantes, que não conseguimos ver um pouco mais além daquilo que está diante de nossa tromba.”


“Eu sou Ragnilde uma eloá rosa, com pintas amarelas. Sou a única da minha espécie. Deveria sentir orgulho disso, sem ser presunçosa, mas não! Estou sempre infeliz por não ser como os outros.”
“Eu nadei até Madagascar. Nenhum outro membro da minha manada jamais se atreveu a tal feito. Isso fez de mim uma pioneira e reforçou ainda mais a minha condição de ser especial.
“Desde que aqui cheguei estou tendo essa oportunidade maravilhosa de poder refletir.”


Atenta ao rumo de suas idéias dava continuidade: “ Isso tudo é meu. São as minhas experiências. Posso contar para os outros membros da manada, mas não posso exigir, e nem aos menos querer que eles me sigam. Ou partilhem dos meus ideais, ou crenças. Não posso exigir que o grupo me aceite.
Cada um de nós está na sua própria etapa de crescimento e evolução. Tem os que vão rir e debochar, os que nem vão ouvir, e haverá, sim, os que irão se interessar e questionar. E quem sabe, até um dia seguir o meu exemplo, nadar até Madagascar e aqui nessas areias filosofar, ter a oportunidade de empreender essa viagem fantástica para dentro de si mesmo. “E ali descobrir coisas novas que estavam esperando o momento e a oportunidade certa para se revelar para nós mesmos.”


“Estou muito contente por ter vindo! Que bom que eu tive coragem de enfrentar meus medos e ultrapassar meus próprios limites. Estou exausta, mas creio que foi este cansaço que me permitiu desvendar o véu que encobria o que estava dentro de mim mesma. Amanhã cedinho nado de volta para casa para contar as novidades para todos. Que eu a eloá Ragnilde precisei nadar até Madagascar para descobrir que todos nós temos em nosso interior tanto elefantes rosa com pintas amarelas quanto cinza. Depende de nós escolhermos e querer qual deles é mais importante e fazer com que ele sobreviva e sobressaia mais que o outro. De posse desta informação podemos escolher ser feliz assim mesmo.”

06/03/2000

3 comentários:

  1. Que lindo mergulho no interior de si mesma...todos temos um pouco da eloá Ragnilde. Muitos levam uma vida toda buscando fora, soluções que só serão encontradas dentro de nós mesmos. Que estilo bonito, suave envolvente de dizer as coisas... parabéns, passeias com as palavras, do alegre e jovial à mensagem séria e profunda com a mesma graça, prefiro a eloá a privada entupida mas reconheço em ambas a tua marca.
    Parabéns
    Abraço
    PP

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  2. Agradeço as palavras gentis. Mas o que tenho a dizer é que normalmente em nosso dia a dia é mais comum encontramos privadas entupidas que o caminho de Madagascar.

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  3. Estava pesquisando sobre meu nome, e encontrei esse lindo texto falando de Ragnilde e tudo tem mesmo a ver comigo, pois até meu nome é Ragnilde.
    Também me sinto especial e diferente dos que me rodeiam, alguns realmente debocham e outros riem, é o processo de evolução de cada ser, o jeito é ser feliz assim mesmo enfrentando nossos medos!parabéns pelo trabalho!Ragnilde Maringá-Pr

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Tenho interesse em saber sua opinião sobre meus textos.
Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?