quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Não ser




Ela suspirou. Rolou na cama. Cobriu a cabeça com o travesseiro. Depois de algum tempo, abriu um olho e espiou para ver se existia vida para além da sua cama.

Bocejando, com muita preguiça, levantou-se.
Pensou:
– Hoje não vou fazer nada, absolutamente nada.
Onde está escrito... qual é a lei ou decreto que obriga o ser humano a trabalhar? A fazer o que quer que seja? A ser produtivo, útil?

Esfregou os olhos.
– Ah! Tem alguma coisa a ver com a Bíblia, não tem? Só porque a tal da Eva comeu uma maçã todo mundo está pagando o pato. Só podia ser coisa de religião...

Mas hoje ela estava pouco se lixando para a Eva. Não queria saber dela nem de ninguém mais. E de nada também. Dirigiu-se até a sala, desligou o telefone e se jogou no sofá. Lá permaneceu, olhando para o teto.
Ué?! Não fazem meditação sentados, naquela posição desconfortável, pernas cruzadas? Ela acabara de descobrir uma posição fantástica! Estava meditando.
Cochilou.

Quando acordou, sabe-se lá que horas eram. Também pouco importava, não iria fazer nada mesmo, e fazer nada significava também não olhar para o relógio.
Mas seu estômago não pensava assim e ela sentiu uma espécie de fome.

Balançou as pernas. Primeiro a esquerda, depois a direita para fora do sofá. Tateando com os pés conseguiu encontrar suas pantufas. Calçou um pé e depois o outro ainda deitada. Contrariando todas as recomendações fisioterapêuticas, levantou-se toda desconjuntada.

Dirigiu-se para a cozinha e abriu a geladeira.
Ops! Apocalipse now!
O fim do mundo já havia chegado.
As opções eram... quase nenhuma, digamos assim. E sua vontade de fazer o que quer que fosse para comer era nenhuma também.
Pedir um delivery? Nem pensar, muito trabalho. Era dia de não fazer nada, e falar ao telefone demandava esforço.

– Um copo de leite! Excelente escolha. Uma maçã.
Vai ver foi esse o problema da tal Eva. Geladeira vazia...
And that's all, folks!

Depois desta lauta refeição, decidiu mudar de aposento e voltou ao quarto, direto para a cama. Enrolou-se em suas cobertas, apanhou um livro na mesa de cabeceira. Ler não era muito trabalhoso, poderia fazê-lo.
Viajou mundos, conheceu pessoas, sentiu o calor do verão, o perfume das flores naquelas folhas de papel.
As horas se passaram sem que ela percebesse. Só se deu conta do tempo quando o estômago, sempre ele, acendeu o seu sinal:
– Fome! Fome!

Nova incursão à geladeira, na esperança de que alguma coisa houvesse mudado. Sabe-se lá, não existe a teoria da geração espontânea?
– Vai que alguma coisa tenha se criado lá dentro nessa faixa de tempo.

Qual o quê.
O interior da geladeira havia sido atingido pela bomba atômica. Era o Day after.
Decidiu variar o cardápio anterior. Em vez de um copo de leite e uma maçã, seria uma maçã e um copo de leite. Escolha feita, voltou para o sofá.
Do sofá para a cama.
Da cama para o sofá.

Usava seu pijama xadrez cor-de-rosa de flanela e as pantufas do Garfield.
Tomou um banho demorado e trocou um pijama por outro.
Esse dia de absoluta vagabundagem ela costumava chamar de “dia de arrastar o pijama”.
Se lhe perguntassem “Ser ou não ser? Eis a questão!”, ela responderia:
– Num dia de arrastar o pijama? Definitivamente, não ser!

14 de janeiro de 2007



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Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?