domingo, 2 de março de 2008

Carmem de Bizet.

As pessoas me chamam de “gata”. Mas bem lá dentro de mim eu ouço uma voz que sussurra: “Carrrmemmm”...

Na verdade eu sou uma gata. Preta. Meus pelos são macios e sedosos. Meus olhos são amendoados, cor de ouro e me dão um charme todo especial contrastando com o negro da minha pelagem. Costumo mover-me preguiçosa e languidamente por onde quer que ande. Não tenho pressa. A vida e mundo estão aí para serem vividos e apreciados.

Em dias de sol como hoje, gosto de caminhar pelo jardim, sentir a grama entre minhas patas e chegar suavemente até a bay window da casa. Normalmente, nestes dias os vidros estão abertos, então eu me aproximo e de um salto, alcanço o parapeito onde me deito.

Deste local privilegiado posso ao mesmo tempo usufruir o calor agradável dos raios de sol que atravessam as árvores do jardim e ao mesmo tempo observá-la através de meus olhos semicerrados. Ela sabe que eu estou lá. Mas no momento que chego não faz nenhuma menção à minha presença.

Escolhi meu nome por sua causa. Desde bem pequena, quando a ouvi ensaiar pela primeira vez , eu me identifiquei apaixonadamente por aquela musica. À medida que ia crescendo, ia aos poucos tomando conhecimento da realidade que me cercava. Ela é uma cantora lírica e é negra como eu, e seu nome pouco importa, pois eu a chamo de Carmem, também como eu.

Todos os dias ela ensaia horas e horas a fio. E eu fico aqui, deitada no parapeito de sua janela absorvendo prazerosamente o seu cantar. A minha canção preferida é Habanera, da ópera Carmem de Bizet. Esta Carmem, a da ópera era uma cigana sedutora e sensual.

Quando começam os acordes... pan param param pan pan.... eu fecho meus olhos e sonho. Sonho com terras distantes, com sol quente como o sangue que corre em minhas veias. Sonho que sou uma gata cigana de pelos negros e olhos amendoados cor de ouro. Charmosa e sedutora. Consciente do poder de minha feminilidade.

“L´amour”... ela canta... e eu me espreguiço... estico minhas pernas dianteiras para bem longe de meu corpo, movo minhas patas como se estivesse arranhando, abro a boca num bocejo preguiçoso...

“L´amour est un oiseau rebelle”...
Epa!
Alguma coisa acontece comigo sempre que ela canta que o amor é um pássaro rebelde.
Eu sinto uma súbita e incontrolável vontade de correr atrás dos passarinhos e sei, então, que está na hora do almoço.

06/07/2000

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Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?