domingo, 2 de março de 2008

História sem pé nem cabeça do Barão do Rosário

Mesmo às vésperas da virada do milênio, Curitiba continua com sua alma provinciana. Os habitantes da cidade estão em polvorosa. O assunto repete-se na Boca Maldita, no bar do Passeio, no Parque Barigui. Fotos publicadas na Caras Paraná e notas diárias na coluna de Dino Almeida dão conta do andamento do projeto aos leitores ávidos pela novidades.
Madames, falsas loiras de topetes, procuram formas alternativas de chamarem a atenção, e quem sabe, poderem ter seu minuto de fama.

Quem tirou o sossego de tão pacata cidade foi ninguém menos que o famoso diretor cinematográfico norte americano Steve Spielberg.
O cineasta e sua equipe encontram-se em Curitiba fazendo as filmagens para o seu mais recente projeto. Campeão imbatível de bilheterias, Spielberg desta feita pretende nos contar a fantasiosa vida de um personagem que muito contribuiu para a nossa história:

O Barão do Rosário.

Nos idos de antanho, nas terras geladas do Norte da Europa vivia um rapaz escandinavo, Barão Ignacithor de Paulamundsen, filho de fidalgos da corte do Rei Olav II. Desde muito jovem ele tinha a responsabilidade de tomar conta da olaria da família que há muitas gerações produzia o melhor óleo de alce do reino. Aprimorando também de forma prática, através do trabalho, a educação tradicional que recebia de seus tutores.

O frio inclemente assolava o fiorde onde moravam e como qualquer adolescente sedento por aventuras Ignacithor sonhava com terras distantes das quais ouvira falar. Lendas contavam de uma terra graciosa, chamada Sambódromo, de povo gentil e alegre, denominados mulatas que se vestiam de plumas e cantavam e dançavam sob o sol tropical que nunca se punha.
Era chegada a temporada de caça ao bacalhau e sair ao mar nessa época é questão de necessidade e sobrevivência. Ignacithor exímio velejador viking, não hesitou em lançar as águas geladas do Mar Oceano a sua embarcação.

- Sorvete de bacalhau com calda de caramelo, bacalhau no óleo de alce, guisado de foca e bacalhau... - e sua boca encheu-se de água a lembrança da mesa farta com seus petiscos favoritos.
Vislumbrou então um cardume, iguarias em potencial e saiu em sua perseguição. Desviava cuidadosamente dos poços de petróleo e das perigosíssimas serpentes marinhas e não percebeu que pouco a pouco se distanciava de tudo e de todos.
Com bravura, seguiu além de todos os limites conhecidos, navegando em águas tempestuosas, quando uma violenta calmaria empurra sua nau até as costas de uma nova terra, vindo finalmente a encalhar no chafariz do Largo da Ordem.
O Barão em pânico prepara-se para uma luta de vida ou morte. Ergue sua lança para o cavalo ameaçador, imaginando ser ele o abominável monstro marinho, que segundo crenças da época habitava as profundezas do mar aberto.
No que foi de pronto impedido pela gente local, o Vampiro e a Polaquinha, que caminhavam pela praia.

Animo serenado, batimentos cardíacos normalizados, ao dar-se conta da aventura que protagonizara Ignacithor percebe que tem diante de si o mistério de uma nova vida. E sendo um jovem de mente aberta, decide nesse local se estabelecer para poder explorar essa cultura desconhecida e diferente.
Manda então um e-mail para seu rei, relatando com riqueza e profusão de detalhes sua chegada naquela terra de todas as gentes; onde a gralha azul plantando, pinheiros nascem.
Finalizando escreve:
“E nesta maneira Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. Peço que me perdoe por não poder lhe levar o bacalhau para a sexta-feira Santa.
Beijo as mãos de Vossa Alteza, graças a Deus pela ultima vez, pois nunca mais sentirei o cheiro de jaula que delas emanam.
“Deste chafariz seguro, desta praça do relógio das flores, hoje dia de feira, 29 de março de 1500.”

Decidido a estabelecer-se no local, caminhou alguns passos e escolheu um terreno que considerou adequado para erguer sua moradia. Com suas próprias mãos, pás, picaretas, tijolos e cimento construiu a sua casa, de arquitetura eclética, mistura de vários estilos.
Denominou-o Solar do Barão do Rosário. Assim como no linguajar da época, olaria é uma fábrica de óleo, Solar como o próprio nome já diz referia-se a uma imensa área descoberta da casa onde o Barão tomava seus banhos de sol. Rosário como homenagem à mãe distante que com tanto carinho dedicara-se ao cultivo de rosas.

Spielberg ao tomar conhecimento dessa surreal história através de Antony Quinn, quando este por aqui esteve, ficou tão entusiasmado que partiu imediatamente para Curitiba para filmar a vida do Barão do Rosário, aproveitando as comemorações dos quinhentos anos da descoberta do Largo da Ordem.
A equipe agora se encontra na parte histórica da cidade. As ruas da proximidade foram fechadas, impedindo o transito dos carros. Muitos curiosos querendo ver os artistas de “Róliude”. Ou quem sabe poderem aparecer no filme, naquele arroubo de criatividade dar um tchauzinho para a câmera. Inclusive transeuntes só podem permanecer no local munidos de uma autorização oficial. De nada adianta dizer:
- Sabe com quem está falando? - que eles não sabem.
Uma parafernália de equipamentos, coisas nunca vistas nas terras dos pinheirais, parecendo coisas de outro planeta. Só falta mesmo o ET em pessoa estar por ali, manipulando aquelas engenhocas de outro mundo.

- Façam uma tomada geral - grita o diretor.
- Mostrem o casario.
- Agora a fonte. Depois um close no cavalo.
Ordens dadas, ordens obedecidas, as seqüências vão sendo feitas uma a uma. Aos poucos vão se aproximando do casarão secular perfeitamente preservado pela iniciativa privada, of course. A construção é imponente e de suas estruturas emana toda a energia de uma história passada. Se estivermos atentos podemos ouvir o burburinho de vozes da antiguidade que se perpetuam no presente.

O Barão montou também uma escola no seu solar, onde ensinava aos jovens aventureiros a arte da navegação. Deste local saíram inúmeros desbravadores. Gente que reformulou os contornos do mundo em que tinham vivido até então, rompendo as barreiras da geografia e da própria mente. Contornaram o Caldeirão, trouxeram muambas do Paraguai, as fronteiras da cidade prolongaram-se para além do Portão, que vivia fechado.

A equipe, sincronizada sabe perfeitamente o que fazer. Aproxima-se do acesso principal, adentrando-o.
Do lado esquerdo da pequena alameda o imponente casarão, que atualmente abriga um espaço particular, vivo e atuante de arte e cultura. Do lado direito as salas de aulas que atendem a necessidade de abrigar as pessoas que ali participam de cursos.
Entram, então, em uma delas.
- Corta! – diz o diretor.
E continua:
- Quero agora que mostrem como a sala é ampla e de pé direito alto.
A seguir, dividam-na mentalmente me quatro partes: esquerda, direita, em cima e em baixo.
E nesta seqüência recomecem as filmagens.
- Tomada dois. A sala de aula. Cena Um.
- Filmando!

Todo seu lado esquerdo é ocupado por janelas que vão do chão quase até o teto divididas de três em três, por onde o Barão poderia observar o quotidiano de seu Solar mesmo ministrando seus cursos.
Ele sabia, por exemplo, que o carroção do Túlio estava chegando de Santa Felicidade com o vinho da Colônia. Primeiro ouvia o ranger do carro e aos poucos o poc poc dos cascos dos cavalos no calçamento.
Através das janelas sentia o cheiro agradável das cucas e dos pães sendo assados, e sabia que já era quase hora do almoço quando ouvia o ruído dos pieroguis frigindo.
Era através delas que diariamente ouvia Seu Manuel discutir com Stanislau:
- Português burro! – dizia um.
- Polaco ladrão! – retrucava o outro.
E à tardinha quando o sol se punha, todos juntos esquecidas suas mazelas, reuniam-se no bar do Alemão, logo ali em baixo, para beber chope.
Tudo isso, sons, cheiros, todos os sentidos estavam impressos naquelas paredes para sempre.

O câmera agora filma um quadro pendurado em uma das paredes. Uma pintura irreal, como essa historia, em vários tons de azul com algumas pitadas de ocre.
Cada um dos participantes da filmagem descreveu-o de uma maneira diferente, não parecendo falarem da mesma obra. Um dizia:
- Que belo um cérebro!
Outro:
- Que cérebro? Não enxerga aí um livro rasgado?
Um terceiro jurava que a pintura representava a coluna vertebral.
Mas todos foram unânimes em afirmar ter na tela um peixe e uma flor.
Seria o peixe o bacalhau que o Barão perseguia, e a flor uma rosa cultivada pela sua amada mãe?
Quem há de entender a arte moderna, onde as coisas parecem, mas não são.

- Corta!
- Chegamos ao ápice de nossas filmagens. Sigam o roteiro.
- Luzes! Câmeras! Ação!
Faz-se um profundo silencio. Nada, nem ninguém se movem. O único ruído que se ouve é o da filmadora. Pode ser percebido no ar um sentimento misto de respeito e admiração, por estarem diante de uma relíquia histórica de tal envergadura.

O câmera aproxima-se cautelosamente do objeto. Displicentemente largada, quase como que esquecida em um dos cantos da sala encontra-se o famoso barco do Barão. Relativamente pequeno, pois tem como a largura de uma porta. Mas para a vida desta terra das araucárias, sua grandeza é imensurável.
Não foi, pois, nesta embarcação que um jovem escandinavo cruzou o desconhecido mar Oceano, enfrentando toda a sorte de riscos, para finalmente aportar em segurança no chafariz do Largo da Ordem?
- Close na embarcação!
- Corta!

16/06/2000

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Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?