sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

HallowAl ou NatalWeen

– Décimo terceiro?
– Férias remuneradas?
– Vale-transporte... Aonde ele pretende ir? Aqui é o Polo Norte!
– Hora extra paga, adicional noturno...
– Aposentadoria! Aposentadoria! Onde já se viu isso? Duende aposentado!
– Quanto mais eu penso, pior fico.
– Eu devia ter contado com o meu sexto sentido e nunca ter deixado o duende barbudo se aproximar da fábrica de brinquedos – bufava ninguém menos que Papai Noel, enquanto amontoava os presentes de qualquer jeito no trenó.
– Chegou todo humilde, com aquela conversa mole de que tinha vindo no lombo de uma rena, lá do Nordeste do Polo, onde tudo é mais gelado e nada cresce.
E eu, coração mole que sou, fiquei morrendo de pena do coitado. Ainda mais depois que vi que lhe faltava um dedo...
– O que fiz, o velho coração de manteiga?
Empreguei-o no setor ABC, como é chamado o local onde os brinquedos educativos são fabricados. Não demorou muito e o atrevido começou a pôr suas manguinhas de fora. Começou a fazer arruaças, a botar minhocas nas cabeças dos outros duendes, a promover comícios dentro da fábrica... Veja só se isso é possível?!
– Juntou mais uns dois, três, e fizeram um tal de sindicato. Começaram a me enfrentar e exigir coisas...
– Trinta dias de férias.
– Repouso semanal remunerado.
– Carteira de trabalho assinada... Onde já se viu tamanho abuso?
– As crianças esperam um ano inteiro para ganharem seus presentes no Natal. Qual é a obrigação dos duendes? Fabricá-los. Chova. Faça sol. Neve. Neve... Enfim, o que quer que aconteça, no dia 23 de dezembro tudo tem de estar pronto, embalado, para que eu possa entregar cada presente a seu respectivo dono.
– Porém, o que fez o subversivo? Incitou os companheiros a fazer greve! GREVE! Meus duendes, na véspera de Natal, estão em greve! Não dá para acreditar. Isso só pode ser um pesadelo.

Nesse instante Papai Noel ouve uma gritaria. Há um tumulto imenso na porta da fábrica.
Quando o duende agitador das massas aparece, é ovacionado pela multidão.
– Mais um comício! – suspirou Noel – Esse sujeito está ficando muito inconveniente. Ele que espere eu voltar da minha entrega de presentes, que vou dar um jeito nele.

O bom velhinho acaba de arrumar os pacotes no trenó e olha o relógio:
– Pelas minhas próprias barbas, estou atrasado! Atrasadíssimo! Preciso me apressar, pois não posso desapontar as crianças.
Acomodou-se no trenó atulhado, assoviou e chamou as renas pelos nomes, como fazia todos os anos:
– Agora, Dasher! Agora, Dancer!
– Agora, Prancer e Vixen!
– Vamos, Comet! Vamos, Cupid!
– Vamos, Donner e Blitzen!
– É com você, Rudolph, vamos lá, garoto!
Enquanto o trenó taxiava na pista preparando-se para a decolagem, Papai Noel podia ouvir o slogan revolucionário dos duendes:
– Duendes unidos jamais serão vencidos! Duendes unidos jamais serão vencidos!
– Blag! E mostrou a língua em direção ao grupo de arruaceiros. O trenó chacoalhou e, com muito custo, conseguiu decolar.

Dasher falou para Dancer:
– Espero que não entremos em nenhuma zona de turbulência.
Prancer acrescentou:
– Entulhado do jeito que está, este trenó é um perigo!
Blitzen disse:
– O problema não é a quantidade dos presentes.
Vixen repetiu:
– Não é a quantidade...
Blitzen continuou
– Pois sempre trouxemos muitos presentes.
–Muitos presentes – repetiu Vixen.
– O problema desta vez é que eles estão mal distribuídos – concluiu Comet.
- Mal distribuídos... – ecoava Vixen.
Cupid pergunta:
-–Vixen, qual é o problema?
– Problema? Problema? Onde está o problema? – responde uma Vixen, angustiada.
– Você está esquisita, repetindo tudo – continuou Cupid.
Vixen, olhando para os lados meio desconfiada, responde:
– Estou é? Sei lá, me sinto inquieta, ansiosa.
– Humm! E por que você não toma um ansiolítico então? – palpitou Donner.
– Tá maluca? Falaram as renas uníssonas.
– É tarja preta – afirmou Dancer
– Tem efeito colateral, e hoje é uma noite em que temos de estar muito atentas – completou Donner.
Fez-se um silêncio, e as renas olharam umas para as outras. Depois todas olharam para Rudolph, que se mantivera alheio à conversa.
– Rudolph, você não andou comendo daquela grama de gambá de novo, comeu? – perguntou Comet.
– Mas é claro que comeu – disse Dasher.
– Olha só como o nariz dele está mais vermelho – falou Cupid.
– Vocês estão parecendo umas tias velhas e rabugentas. Paz e amor, coroas.
Rudolph, numa “nice”, cantando um reggae maneiro, começou a fazer gracinhas pelo céu...
As outras renas ainda tentaram avisar o comandante do voo, mas este, exausto pelos acontecimentos dos últimos dias, recostara-se no saco de brinquedo e dormia profundamente.

Ao acordar, Noel se sentiu muito bem. Estava mais leve. Nada como um bom cochilo para restaurar as forças.
Pouco a pouco coisas estranhas começaram a lhe acontecer.
Ele falava com as crianças, e elas não lhe respondiam; aliás, nem criança, nem adulto, nenhum ser humano.
– Estão me ignorando como se eu fosse invisível. Devem estar muito aborrecidos comigo por eu ter chegado atrasado – pensou.
Pousou o trenó no jardim de uma casa, e o cachorro, ao ouvir os guizos, veio recebê-lo alegremente.
– Olá, amigão! Que bom ver você também.
Mas, ao aproximar-se, o cão eriçou os pelos e começou a rosnar para ele.
– Cachorro temperamental. Uma hora me ama, outra me odeia.

Foi se aproximando da porta e entrou na casa.
– Essa gente não devia deixar a porta escancarada desse jeito, qualquer um pode entrar.
Porém um fato chamou sua atenção: no hall havia um grande espelho, e, ao passar por ele, não viu sua imagem. Voltou. Parou diante do espelho e deu um berro:
– AAAARRRRRGGGG!!!
– Onde estou? Onde estou?
– Porta aberta? Porta aberta?
– Será possível?

Voltou para a porta e percebeu então que esta se encontrava fechada. Temendo que o que estivesse pensando fosse real, colocou primeiro um pé, e este passou através dela...
Também a perna, a barriga...

– AAAARRRRRGGGG!!!

– Se sou capaz de passar através da porta, se as pessoas não me enxergam, mas o cachorro sim, se a minha imagem não se reflete num espelho... então...

AAAARRRRRGGGG!!! Sou um fantasma!!!

Correu para fora. E lá estava seu trenó... fantasma, suas renas... fantasmas...

Vixen cochichava na orelha de Rudolph:
– Nós não te avisamos que não era para comer da grama de gambá?

Noel está desacorçoado.
– E agora? Estou morto.
– O que será de mim?
– Eu tinha o meu dia, o meu trabalho, o que vou fazer agora?

Ouve então uma voz que diz:
– Calma, meu velho, nem tudo está perdido.
– Quem está ai? – pergunta curioso.
– Somos nós – respondem várias vozes.
– E quem são vocês?
– Você promete que não vai fazer nenhum escândalo quando nós aparecermos? – perguntou uma das vozes.
Ele prometeu.

Para sua surpresa foram chegando fantasmas, bruxas, múmias, vampiros, lobisomens, Frankstein, a Família Addams...
– O que estão fazendo aqui?
Todos começaram a falar ao mesmo tempo.
– Ordem! Ordem! Assim ninguém se entende. Frank, você fala!
- Pois, é, Noel, lamentamos o que lhe aconteceu. Mas a realidade é que você e as renas morreram, passaram daquela para melhor, vestiram o paletó de madeira... Chame como quiser... Você já era. E não dá para ficar chorando. O negócio é curtir e aproveitar o que a vida... ops! a morte tem de melhor.
– Como assim? – pergunta ele, curioso.
– Ué, você não estava ali, há pouco, todo choroso: “Eu tinha meu trabalho, eu tinha meu próprio dia... O que é que eu vou fazer agora?”
– Nós também temos nosso dia, também temos nosso trabalho e viemos convidá-lo para vir a nossa festa.
Papai Noel pensou um pouco e considerou a oferta. Não podia nem queria mais voltar para o Polo Norte; era um fantasma sem dia agora.

– Quer saber, Frank, se é para o bem de todos e a felicidade geral do Halloween, diga a todos que aceito.
– Noel é bom camarada, Noel é bom camarada, Noel é bom camaaaaarada! Ninguém pode negar! – cantavam fantasmas, bruxas e múmias.
– Temos uma surpresa. Só iríamos contar se você aceitasse – Mortícia entrou na conversa. Daqui a algum tempo, quando as pessoas se acostumarem com você como personagem-fantasma, mudaremos o nome da nossa festividade.
– Mudar o nome do Halloween? Como? – pergunta ele.
– Nada mais justo – continua Morticia. Você pode escolher entre HallowAl ou NatalWeen.
Ele estava emocionado.
– Mas não precisa ser agora, ainda temos uma viagem a fazer – interrompeu Frank. Então vamos, pessoal, todos no trenó do Papai Noel, voar para o mês de novembro.

Era uma estranha comitiva aquela que voava céu afora: um trenó-fantasma, com o Papai Noel idem, dentro dele Mortícia Addams e sua família, Frankstein, múmias, vampiros, lobisomens... E acompanhava o cortejo uma revoada de morcegos, bruxas em suas vassouras e fantasmas.

Os tios maus-caracteres de Gasparzinho, Strech, Fatso e Stinkie, voavam ao lado de Rudolph.
– E aí, cara, como é que é?
– Pois, é... – respondeu a rena pensativa. Como é que é pergunto eu... Como é que funciona essa vida de fantasma?
– A gente tem algum sindicato?
– Trabalhamos com carteira assinada?
– Repouso semanal remunerado?
–Recebemos adicional noturno ou hora extra?
Os três olharam uns para os outros com cara de ponto de interrogação.
Rudolph, percebendo que eles não faziam a menor ideia do que ele estava falando, disse:
– Companheiros, já vi tudo. Vocês estão sendo explorados pelas elites. Mas não precisam se preocupar; cheguei aqui para ajudar vocês. Precisamos resolver isso assim que chegarmos a novembro.
– Eu cultivo o hobby de jardinagem nas horas vagas – dizia Rudolph. Por acaso nesse tal de novembro tem uma grama...




26 de novembro de 2009

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Afinal eu poderia estar caçando ratos, não é mesmo?